Portal de Noticias

A concentração rentista no Brasil, apesar da expansão econômica

Por Bruno Lima Rocha, jornalista, cientista político e professor de Relações Internacionais. 

0 54

Existem algumas máximas na caracterização das potencialidades econômicas brasileiras, ao menos dentro de um prisma da economia política e da correlação de forças para a inserção internacional do país. Uma afirma que o país cresce até por osmose, quase que por inércia. Basta não tomar muitas medidas contracionistas. Esta percepção gera a ideia equivocada da possibilidade do “ganha ganha”, ou a versão da social-democracia brasileira no século XXI. Isto é, atender demandas populares sem incomodar o andar de cima que opera no país.

Outra ideia-guia vem de fora e tem um sentido lógico mais forte. Afirma que “o Brasil já grande demais em inércia para ficar maior ainda em movimento”. E como sabe o Departamento de Estado dos EUA, “para onde for o Brasil, leva a América do Sul, talvez a América Latina inteira”. Outra percepção, esta da supremacia naval, entende que o Atlântico Sul não pode ser um oceano autárquico para potências médias, menos ainda depois da Guerra das Malvinas (02/06/1982 a 14/06/1982). Tal episódio merece um debate à parte, mas cabe aqui apenas uma caracterização. Sim, mesmo sob regimes de exceção, é possível a cooperação estratégica entre Brasil e Argentina. E não: jamais os aliados anglo-saxões irão se abandonar à própria sorte.

Existe algum volume de debate sobre o quão ameaçador foi o ciclo virtuoso brasileiro que acompanhou a “onda rosa latino-americana” da primeira década e meia no Continente. Este ciclo teria tido seu auge no segundo governo Lula (2007-2010) e o primeiro de Dilma (2011-2014) e se a bonança já havia começado na segunda metade do primeiro governo de Lula (o mandato foi de 1o de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2006), mas o certo é que neste período, apesar de todas as circunstâncias internas desfavoráveis – a começar pelas vacilações da própria elite civil então dirigindo o país –, o Departamento de Estado das duas administrações Obama centrou esforços para a mudança de regime. Uma gigantesa Operação de Lawfare (a Lava Jato) e a criminalização do modelo econômico colocou o país em um transe reacionário.

Já no governo Lula 3, após uma longa estagnação com renda concentrada e política econômica centrada na acumulação financeira, parece que realmente estamos em um momento de economia aquecida e retomada do emprego direto com trabalho formal. Não há bonança como no boom econômico da primeira e segunda década deste século, mas o futuro próximo parece ser promissor, desde que “nada saia muito do lugar” e não vejamos uma nova “rebelião das elites” como ocorreu do segundo turno de 2014 até a eleição de Jair Bolsonaro (em 2018), concorrendo contra o favorito preso sem provas jurídicas.

Ainda assim é preciso remarcar algumas características da concentração financeira e do tamanho da ameaça pairando sobre o país vejamos.

O aumento da taxa básica de juros supera qualquer mecanismo compensatório de renda

A decisão de aumento de juros básicos da economia (Taxa Selic) é um sinal contrário da isenção de I.R. (imposto de renda) para quem ganha até R$ 5.000,00 reais (equivalendo a 3 salários mínimos e mais 1/3). O salário mínimo nacional (em alguns estados é um pouco superior) equivale a R$ 1518,00 (em USD 265 dólares segundo a cotação do Banco Central do Brasil na 6a 21/03/25). Logo, a liberação de declarar como contribuinte atingiria a quem recebe até USD 873,40. Essa proposta legal vai tramitar no Congresso Nacional e tem ampla chance de ser aprovada, apesar do lobby dos super ricos. Esta minúscula fatia da população brasileira não passa de 141 mil pessoas.

Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, na quarta-feira 19 de março 2025, a Diretoria do Banco Central (reunida no Comitê de Política Monetária – COPOM) aumentou em mais um ponto percentual a taxa de juros básica da economia, a Taxa Selic, gerando um custo anual de mais R$ 54,5 bilhões em pagamento de juros da chamada “dívida pública”, beneficiando grandes bancos e rentistas.

Os beneficiados diretos são as empresas que tem o poder de venda e recompra dos papéis da dívida soberana do país (em moeda nacional, logo, solvente e INQUEBRÁVEL, NÃO PODE FALIR quem se endivida na própria moeda e determina seus próprios termos de endividamento). Segundo o Tesouro Nacional as pessoas jurídicas (nacionais ou transnacionais) são estas:

Empresas financeiras estatais: Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB)

Conglomerados do mercado financeiro nacionais privadas: Banco Bradesco / Banco BTG Pactual / Banco Safra / Itaú Unibanco.

Conglomerados do mercado financeiro transnacionais: Bank of América Merrill Lynch / Goldman Sachs.

Corretoras autorizadas a negociar papeis soberanos brasileiros: BGC Liquidez / Renascença / XP Investimentos.

Ou seja, se fosse para “apenas” garantir o fluxo de capital volátil garantindo o volume de entrada de dólares para assegurar o fundo emergencial das reservas internacionais bastaria negociar a dívida através da CEF e do BB. O volume desta na atualidade, segundo o Banco Central (dados de fevereiro) é de USD 325,508 bilhões de dólares.

Ao mesmo tempo, o governo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025, que concede isenção de Imposto de Renda para as pessoas com ganhos de até R$ 5.000 mensais, o que deve aumentar os ganhos da classe trabalhadora em cerca de R$ 26 bilhões anuais, ou seja, menos da metade da transferência de renda para os mais ricos com a alta em 1% na Selic.

Estes R$ 26 bilhões representam a “renúncia de receita” do PL, ou seja, o custo (em termos de perda de arrecadação) para o governo, que de acordo com a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF), teria de ser compensada com a criação de outra fonte de receita. Mas a dita “LRF” libera totalmente o gasto de mais que o dobro disso (R$ 54,5 bilhões) para pagar mais juros da dívida.

A nova fonte de arrecadação, conforme o PL, é a tributação dos super ricos, o que é positivo, porém, estes pagarão cerca de R$ 34 bilhões anuais, muito menos do que receberão a mais com juros da dívida pública, devido à alta de 1% na Selic (R$ 54,5 bilhões). Além do mais, estes R$ 34 bilhões podem vir a cair bastante durante as votações no Congresso.

Sabemos da controvérsia em torno da Auditoria Cidadã da Dívida e de modo geral não estamos de acordo com o paradigma fiscalista desta entidade. Apesar disso, reconhecemos a correção desta crítica e dos dados apresentados. É um contra senso, liberar R$ 26 bilhões de reais para a classe trabalhadora – que implicam no giro imediato da economia – e ao mesmo tempo, acumular tanto o ganho rentista como o aumento da despesa financeira pelo custo do capital de giro, além da pressão nas contas públicas.

O jogo pesado dos super ricos no Brasil

Ainda que faça sentido a tributação de super ricos, a nata não vai aceitar essa tributação de 10% a mais sem usar seus múltiplos lobbies, sejam estes jurídicos, políticos, financeiros ou midiáticos. Um exemplo de tal poder se deu quando o titular do Ministério da Fazenda, Fernando Haddad foi na Globo News defender a isenção de imposto de renda para quem recebe até R$ 5000,00 e o mecanismo compensatório com a elevação da taxação de bilionários e adjacências.

Uma das funcionárias da empresa líder de comunicação no Brasil e âncora do canal de notícias 24 horas da família Marinho, Júlia Duailibi, respondeu assim ao ministro melhor avaliado pelo capital financeiro e plenamente aceito pelo rentismo operando no país. No dia 20 de março, quinta-feira, se deu o diálogo. Em certo momento a âncora disse:

“Mas é muito poder aquisitivo, eles têm muito poder, não dá prá mexer assim”.

Ao reificar a injustiçã fiscal plena, sem ao menos comparar a carga tributária nos países da OCDE, no Ocidente expandido e aliados, a ainda respeitável jornalista troca a informação posicionada pelo discurso censor. Júlia Duailibi, assim como todos os seus colegas profissionais de redação (jornalistas de ofício e profissão), ainda têm certa reputação a defender (não devemos confundi-los com comentaristas ocasionais ou mais voltados ao entretenimento). Mas, a emissora que é tão avançada em debates de costumes e pautas antirracistas, quando se trata de política externa (defesa do Estado Sionista e o direito ao genocídio do povo palestino) e rentismo (defesa do capital financeiro como pilar do capitalismo brasileiro), é implacável. Será que foi o ponto eletrônico que marcou a gafe para queimar ainda mais a apresentadora? Talvez nunca saberemos.

Na ausência de um debate econômico de profundidade e o retorno de instâncias de planejamento, viveremos sempre as mazelas das chantagens de quem tem mesa de operações para atingir o câmbio (que no Brasil é flutuante) e, por tabela, gerar mais pressão inflacionária. Nosso país tem todas as saídas econômicas possíveis à sua disposição, mas a condição básica é ao menos subordinar os parasitas financeiros e o agro exportador a um projeto nacional de desenvolvimento sustentável e neo industrialização. Do contrário, a cada quatro anos perigamos retornar ao pesadelo neofascista e ultra neoliberal.

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.