O tarifaço de Trump e a derrota da globalização capitalista pós Guerra Fría
Por Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com) é jornalista, cientista político e professor de Relações Internacionais.
Na quarta feira, 02 de abril, o mundo viu o final da era da globalização transnacional capitalista comandada pelo Ocidente. O projeto de hegemonia econômica e cultural foi ferido de morte por seu próprio criador, os Estados Unidos da América.
Em extensa reportagem do New York Times foram detalhadas as medidas. Segundo o jornal democrata estadunidense, o presidente Trump revelou suas tarifas mais expansivas até o momento em uma cerimônia na Casa Branca, na tarde do mesmo dia que marca o início da Guerra das Malvinas (02/04/1982). O mandatário da superpotência ocidental afirmou que imporia uma tarifa de 10% a todos os seus parceiros comerciais, bem como tarifas “recíprocas” de dois dígitos a dezenas de outros países que, segundo autoridades do governo, trataram os Estados Unidos de “forma injusta”.
Cabe aqui uma curiosidade até epistemológica. Qual o conceito de “justiça” aplicado pelo bilionário de negócios baseados tanto na especulação imobiliária como na jogatina? “Justo” é garantir que “a banca sempre ganha”? E quando o cassino financeiro não tem mais condições de competir com detentores de direitos de propriedade industrial (DPI) concentrados na Ásia. E se estes países não são ocupados pelas forças armadas estadunidenses? Em outras palavras: qual o verdadeiro plano de Trump e seus assessores diretos?
Aliados e concorrentes sendo igualmente atingidos
Segundo o plano de Trump (ao menos o revelado), os Estados Unidos vão impor uma tarifa impressionante de 34% sobre produtos chineses, além dos 20% já impostos a Pequim, totalizando assim 54% de sobrepreço para ingresso de produtos chineses nos Estados Unidos.
Algumas das tarifas mais altas de Trump se aplicam aos aliados dos EUA, incluindo uma de 20% sobre importações da União Europeia e uma outra de 24% sobre produtos do Japão. A Índia enfrentará uma tarifa de 26% sobre suas exportações para os Estados Unidos. Esses valores incluem a tarifa base de 10%.
Em uma pequena isenção, as novas tarifas não se aplicarão a produtos que Trump já impôs taxas separadas, como aço, alumínio, veículos e seus componentes. Energia e “outros minerais não disponíveis nos Estados Unidos” também serão excluídos.
Autoridades da Casa Branca disseram que práticas comerciais prejudiciais de outros países levaram a grandes e persistentes déficits comerciais para os Estados Unidos, e que outros produtos, incluindo madeira, cobre, semicondutores, produtos farmacêuticos e minerais essenciais, podem enfrentar tarifas adicionais.
“Vamos começar a ficar inteligentes e ficar muito ricos novamente”, disse Trump.
Trump prometeu durante meses impor tarifas, que, segundo o presidente, corrigiriam anos de comércio “injusto”, no qual outros países estavam “roubando” os Estados Unidos.
Mão no tabuleiro, ou, chutando o balde
Nestes dias após o anúncio das medidas venho entrevistando economistas heterodoxos, professores de ciências econômicas que não se dedicam a legitimar a jogatina da especulação e têm uma real preocupação com os sistemas produtivos como base para sociedades avançadas. Há uma noção
uníssona, Trump repete o gesto unilateral dos EUA em 1971 (quando rompe com os Acordos de Bretton Woods), assim como em 1979 (com Paul Wolker sendo o pilar da desindustrialização) e da Era Reagan (a década que o Imério volta a liderar o planeta, cortando no próprio tecido social produtivo).
Agora tem uma diferença substantiva. China, Índia e Rússia, nesta escala de grandeza, são países soberanos com moeda, produção alimentícia, indústria, tecnologia de ponta, arsenal nuclear e plenas capacidades militares. Adicionando o volume do “problema” para os EUA, a tendência é uma integração econômica asiática e eurasiática. Se os Estados comandados por Pequim e Nova Déli superam problemas e rivalidades territoriais e complementam seus mercados internos, o potencial consumidor chega perto de 1 bilhão de pessoas.
A escala de grandeza também é importante. Dos países membros dos BRICS, vejamos como é a ordem do PIB segundo a paridade de poder de compra, fator-chave que possibilita haver mercado interno e bons níveis de consumo doméstico.
China – 1º lugar
PIB (PPP): $30,1 trilhões (estimativa de 2024)
PIB nominal: $19,3 trilhões
O rápido crescimento industrial e a enorme população da China contribuem para seu domínio na paridade do poder de compra, tornando-a a maior economia global por essa métrica.
Índia – 3º lugar
PIB (PPP): $14,6 trilhões (estimativa de 2024)
PIB nominal: $3,9 trilhões
Impulsionada por uma grande população e setores em crescimento, como TI e manufatura, a Índia ocupa o terceiro lugar global.
Rússia – 6º lugar
PIB (PPP): $5,4 trilhões (estimativa de 2024)
PIB nominal: $1,9 trilhão
O PIB (PPP) da Rússia é amplamente apoiado por seus vastos recursos naturais, particularmente as exportações de petróleo e gás.
Indonésia – 7º lugar
PIB (PPP): $4,7 trilhões (estimativa de 2024)
PIB nominal: $1,6 trilhão
A economia diversificada da Indonésia inclui agricultura, mineração e indústrias digitais e de serviços em crescimento, impulsionando seu crescimento econômico.
Brasil – 8º lugar
PIB (PPP): $4,1 trilhões (estimativa de 2024)
PIB nominal: $2,1 trilhões
A grande economia do Brasil é alimentada pela agricultura, mineração, energia e um setor de tecnologia em expansão.
Os números acima são irrefutáveis. O elo fraco da corrente é o Brasil, com uma importante parcela da classe dominante colonizada e elites dirigentes entreguistas, além de uma extrema direita subalterna aos EUA e muito ativa. Logo, mesmo sem o Estado brasileiro (e esperamos realmente que não aconteça), a integração econômica dos BRICS pode ser dar fora do eixo do dólar. Se o volume de transações internacionais sem o uso da moeda de Washington ampliar 5% ao ano, e simultaneamente a China for “desidratando” a arrogância belicista dos Estados Unidos liquidando os títulos da dívida emitidos pelo FED, a vitória de Pequim se torna uma questão de tempo.
O Brasil pode e deve aproveitar o momento, até porque a taxação sobre os produtos nacionais foi a básica, incidindo “apenas” em 10%. Em tese, a economia brasileira navega em águas tranquilas. O imponderável ainda incide e, definitivamente, a oligarquia financeira e tecnológica dos EUA não vai cair sem lutar. Por “sorte”, Trump e seus conselheiros chutaram o balde de seus aliados, quebrando qualquer elo de confiança restante.